domingo, 31 de outubro de 2010

Vera Valentina Benrós de Melo Duarte Lobo de Pina

(imagem retirada da internet)


Revista Crioula — A senhora afirma no texto “O Atlântico, estrada cultural e a poesia cabo-verdiana do século XX” que as relações entre as culturas crioula e a brasileira compõem o que chama de “estação do amor”, que sucede a “estação da dor”. Explique-nos esta sua visão da
história cultural crioula.

Vera Duarte — Há alguns anos tive uma intuição que achei extremamente interessante e desde então tenho procurado aprofundar alguma reflexão a propósito. Entendo que a relação nomeadamente entre o Brasil e Cabo Verde que agora se vem aprofundando cada vez mais é uma relação que já teve várias estações. A primeira estação a que chamo “estação da dor” deu-se quando o modelo societário que se desenvolveu nestas ilhas foi levado para o Brasil, sobretudo o nordeste, através do tráfico de escravos que eram comprados na costa ocidental africana, passavam por Cabo Verde onde eram ladinizados e daqui eram transportados para o Brasil onde iam servir nas casas grandes, levando consigo apports culturais para a sociedade brasileira. Nessa epoca, também foram animais (cabras) e plantas (cana do açucar) que modelaram indelevelmente a cultura brasileira. Posteriormente, foi a vez da cultura brasileira influenciar a cultura cabo-verdiana por mor do impacto que obras dos seus autores maiores (Castro Alves, Rui Barbosa, Olavo Bilac e depois Manuel Bandeira, José Lins do Rêgo, Guimarães Rosa, Jorge Amado) exerceram sobre autores cabo-verdianos (João Lopes, Jorge Barbosa, Baltazar Lopes). Chamo a essa a “estação da assimilação”. Entendo que contemporâneamente estamos a viver uma relação de igualdade entre as duas margens do Atlântico, relação feita de diálogo, inter-influenciação e estudo, e por isso mesmo chamo a essa a “estação do amor”, por ela se basear na igualdade das partes. O que eu acho interessante falando de Brasil e Cabo Verde é o facto de sendo o Brasil tão grande e Cabo Verde tão pequeno, ter havido alguma influenciação do modelo societal brasileiro pelo modelo societal caboverdiano, a ponto de, à afirmação “Cabo verde é um Brasilinho”, haver brasileiros (embaixador Victor Gobato) que afirmam perentoriamente
que o Brasil é que é um grande Cabo Verde.


Entrevista copiada daqui